Recentemente foi publicado o Convênio ICMS nº 109, de 3.10.2024, revogando o Convênio ICMS nº 178/2023, com o objetivo de tratar sobre a transferência de créditos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em remessas interestaduais entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.

A intenção do constituinte, consumado no art. 155, inciso II, da Constituição Federal, sempre foi atribuir aos Estados e ao Distrito Federal a competência de instituir impostos sobre “operações relativas à circulação de mercadorias”, sob a ótica de que o simples deslocamento físico desta mercadoria, sem mercancia e alteração da propriedade (negócio jurídico), não estaria abrangido no conceito de “operação” e, portanto, não configuraria fato gerador do ICMS para fins de recolhimento do tributo.

Historicamente, esse sempre foi o entendimento defendido pela melhor doutrina¹ e por muitos Tribunais o que, porém, não se mostrou suficiente para evitar que a matéria permanecesse por anos em discussão.

Amplamente discutido, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), via Súmula 166, o tema foi julgado na Ação Direta de Constitucionalidade nº 49 (ADC 49) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no qual foi declarada a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir) que determinavam a cobrança de ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. A Corte consolidou o entendimento de que tais operações não configuram fato gerador do ICMS, assegurando aos contribuintes o direito de manter e transferir os créditos de ICMS relacionados às operações anteriores.

Por ocasião do julgamento da ADC nº 49, em 31.10.2023, celebrou-se o Convênio ICMS nº 174, com o objetivo de regulamentar a transferência interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular, além de estabelecer diretrizes para a transferência de créditos de ICMS. No entanto, esse convênio foi rejeitado pelo Ato Declaratório Confaz nº 44/2023.

Posteriormente, em 1.12.2023, foi publicado o Convênio ICMS nº 178, o qual determinava que, na transferência interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, seria obrigatória a transferência do crédito de ICMS do estabelecimento remetente para o destinatário.

Na mesma esteira, alterando a Lei Kandir, também com o propósito de adequação ao referido julgamento, foi publicada em 29.12. 2023 a Lei Complementar nº 204 para determinar que na saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte não se considera ocorrido o fato gerador do imposto na saída de mercadoria de estabelecimento para outro de mesma titularidade, mantendo-se o crédito relativo às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte, inclusive nas hipóteses de transferências interestaduais em que os créditos serão assegurados: (i) pela unidade federada de destino, por meio de transferência de crédito, limitados aos percentuais estabelecidos nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, aplicados sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada; e (ii) pela unidade federada de origem, em caso de diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e prestações anteriores e o transferido na forma do item (i).

Com o novo Convênio ICMS n° 109/2024, restou “assegurado” o direito à transferência do crédito, porém, imponto à unidade federada de origem garantir apenas a diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e prestações anteriores e o resultado da aplicação dos percentuais estabelecidos no inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal aplicados sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada.

Nesse sentido, nos termos de sua Cláusula Quarta, o crédito a ser transferido fica limitado ao resultado da aplicação de percentuais correspondentes às alíquotas interestaduais do ICMS sobre (i) o valor médio da entrada da mercadoria em estoque na data da transferência; (ii) o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, insumo, material secundário e de acondicionamento; e (iii) tratando-se de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, assim entendidos os gastos com insumos e material de acondicionamento.

Além disso, o novo Convênio determina que a apropriação do crédito pelo estabelecimento destinatário se dará por meio de transferência, pelo estabelecimento remetente, do ICMS incidente nas operações e prestações anteriores e corresponderá ao imposto efetivamente apropriado nessas operações, limitado ao resultado da aplicação de percentuais equivalentes às alíquotas interestaduais do ICMS.

Ademais, atualizando o entendimento conforme a Lei Complementar nº 204/2023, o Convênio nº 109 permite a equiparação da transferência da mercadoria à ocorrência do fato gerador de imposto, para todos os fins, alcançando todos os estabelecimentos do contribuinte localizados no território nacional (art. 12, §5º da Lei Kandir).

A referida opção, ainda, será consignada no Livro de Registro de Utilização de Documentos e Termos de Ocorrências de todos os estabelecimentos do mesmo titular, observado que: (i) a opção será anual, irretratável para todo o ano-calendário, e deverá ser registrada até o último dia de dezembro para vigorar a partir de janeiro do ano subsequente; (ii) na hipótese da abertura do segundo estabelecimento do mesmo titular, a opção deverá ser feita no prazo de até 30 dias da data da abertura constante no cadastro de contribuintes; e (iii) feita a opção, a renovação será automática a cada ano até que se consigne opção diversa.

Os contribuintes precisam aguardar a internalização do Convênio nas respectivas legislações estaduais para que se possa ter maior segurança sobre as condições previstas para a transferência de crédito entre seus estabelecimentos e avaliar a conveniência de adoção desse procedimento em sua operação específica.

O Convênio nº 109/2024 entra em vigor na data da sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1.11.2024.

1. Exemplos: BALEEIRO, Aliomar in Direito Tributário Brasileiro, Ed. Forense, 10ª ed., p. 223; CARRAZA, Roque Antonio, ICMS, 10ª ed., Ed. Malheiros, p.36/37 e CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, Editora Saraiva, São Paulo, pág. 648.↩